segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cão abandonado

Sou um cão abandonado, sou um velho sem rumo
Passeio na rua sem ser visto, sem ver ninguém
Sou a droga que consumo
Sou a mágoa de alguém


Sou um cão abandonado, sou um herói esquecido
Sou a sombra do meu medo, talvez perdido
Sou a minha própria trela, e com ela me amordaço
Sou a pedra da calçada , perdida no teu regaço


Sou um cão abandonado, sou um barco ancorado
Sou as velas rasgadas que um dia navegaram
Sou saudade e angústia, que deixei no porão
Sou o vento que me arrasta e me tira o chão


Sou um cão abandonado, uma criança a brincar
Sou o pião que um dia tu viste a girar
Sou o xadrez que jogas com o coração
Sou eu quem se ajoelha rogando perdão


Sou um cão abandonado, arremessado contra a valeta
Sou o cigarro que fumas, quando te dá na veneta
Sou a sorte abençoada numa noite de casino
Sou um pobre peregrino, sem norte e sem destino


Sou um cão abandonado, entre curvas e ruelas
E continuo sem ser visto, coberto pelas velas
Se um dia passares por mim, finge que não me vês
Sou um cão abandonado que não quer saber quem és.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ódio existencial

Odeio estes dias!
Odeio querer escrever e não conseguir
Odeio tomar um café que a nada me sabe
Odeio fumar um cigarro que não me acalma
Odeio estar a pensar no que não me faz bem

Mas sobretudo odeio esta raiva
Que me tira do sério
E que leva o meu sangue
A velocidades a nível de competição de rally
E que eleva o meu corpo
Mais alto que o céu, qual ave de rapina
Qual avião sem Norte ansiando o despenho
E rebento por dentro,sem o mostrar por fora

Mas continuo a escrever
Odiando cada palavra que nenhum sentido faz
Odiando a caneta, odiando o papel
E risco e volto a escrever,
E volto a escrever mas risco
Pois sei que amanhã será diferente
Porque o mais certo virá
E amanhã, terei algo novo para odiar

E com este ódio vem também o amor
Cruzando-se os dois, formando a dor
Qual música de António Variações
Onde a cabeça sem juízo,
Odeia e ama ajuízadamente o seu redor

E ama e odeia amar e odiar
Com a mesma força, com o mesmo ardor,
Com o mesmo olhar.